"Meu ideal
seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça que está doente
naquela casa cinzenta quando lesse minha história no jornal risse, risse tanto
que chegasse a chorar e dissesse -- "ai meu Deus, que história mais
engraçada!". E então a contasse para a cozinheira e telefonasse para duas
ou três amigas para contar a história; e todos a quem ela contasse rissem muito
e ficassem alegremente espantados de vê-la tão alegre. Ah, que minha história
fosse como um raio de sol, irresistivelmente louro, quente, vivo, em sua vida
de moça reclusa, enlutada, doente. Que ela mesma ficasse admirada ouvindo o
próprio riso, e depois repetisse para si própria -- "mas essa história é
mesmo muito engraçada!" (...) E quando todos me perguntassem -- "mas
de onde é que você tirou essa história?" -- eu responderia que ela não é
minha, que eu a ouvi por acaso na rua, de um desconhecido que a contava a outro
desconhecido, e que por sinal começara a contar assim: "Ontem ouvi um
sujeito contar uma história...".
- Rubem Braga, escritor, um dos maiores cronistas
brasileiros.
"Eu amo a rua
(...) Nós somos irmãos, nós nos sentimos parecidos e iguais; nas cidades,
nas aldeias, nos povoados, não porque soframos, com a dor e os desprazeres, a
lei e a polícia, mas porque nos une, nivela e agremia o amor da rua (...) Ora a
rua é um fator da vida das cidades, a rua tem alma!".
- João do Rio, jornalista, cronista, tradutor e teatrólogo brasileiro.
Logo quando iniciamos nossos estudos no campo do
jornalismo, entendemos que o jornalista é um imediatista, um instantaneísta. O
espaço do jornal custa tempo e dinheiro, desta forma, o profissional se utiliza
de técnicas como a do lead, a objetividade, a pirâmide invertida a fim de
abordar o que é importante e comercializar as notícias. Outro ponto relevante
nesta analise é o de fato jornalístico. O fato jornalístico, como entende Prof. José Coelho Sobrinho,
é um encadeamento de ações que se relacionam e interagem entre si: “O fato para o jornalismo é uma informação escolhida
intencionalmente pelo jornalista por ser de interesse de seu público”. Em suma,
a matéria gira em todo dos fatos. O dito Jornalismo Literário vem romper com
esse ideário, foge do noticiário superficial, revela um universo que geralmente
fica oculto nas entrelinhas das matérias cotidianas. Certa vez, em conversa com
a jornalista Ethel de Paula, a atração do dito Novo Jornalismo seria adentrar
mais na vida das pessoas, dos sujeitos a cima dos fatos, os textos mais longos
e descritivos, além da poética eminente e a humanização do fazer jornalístico.
É fato que a Literatura
ronda a cabeça de muita gente, dá ideias e causa uma excitação para fazer com
que a palavra e o pensamento fluam, rompendo com as amarras do lead e fugindo
do hard news. Porém o gênero trás algumas dificuldades, por confusões
disseminadas por autores, escritores e pelo meio acadêmico sobre o que seja uma
crônica e o que é um texto de jornalismo literário. O “novo jornalismo” passa a
ser utilizado para designar a narrativa jornalística que utiliza técnicas
literárias. Além da própria estrutura do texto, outro ponto discutido neste gênero
é o da realidade e da ficção. Romper com a forma clássica ou criar personagens
e ficção para explicar um caso ao leitor ainda é algo arriscado para um jovem
jornalista, O Truman Capote pode, o Gabriel Garcia Marquez também, mas eles já
têm nome para isso. O leitor já vai ler sabendo o que esperar daquele texto. Entretanto, a crônica jornalistica é sim essêncial , “Em uma sociedade pós-moderna e de informação,
bombardeada a cada minuto por notícias boas e ruins; por guerras e acidentes; terremotos
e tsunamis, a crônica deve servir de respiro, de um momento de reflexão e
diversão para o público leitor e internauta, já que ela é rara no rádio e na
televisão. É para isso que ela serve!”, afirma o professor e jornalista Luiz
Roberto Saviani Rey.
Historicamente falando, A partir do séc. XIX, a
aproximação entre literatura e jornalismo torna-se mais evidente. Nesta época,
o realismo social passa a captar – a
partir da observação e da recriação detalhada do cotidiano – os costumes e a
linguagem das ruas e trazê-los para o campo da ficção, a exemplo de Charles
Dickens e Émile Zola. Jack London e George Orwell, por exemplo, no início do
séc. XX, se reinventaram como personagens da classe pobre para viver entre
sem-tetos e desafortunados, transformando suas experiências em reportagem e
relato autobiográfico, respectivamente.
No Brasil, haverá o rompimento com jornalismo puramente
político e o gênero literário vai se fundir com os fatos da cidade e os
posicionamentos ideológicos. Em 1852,
Manoel Antônio de Almeida publica “Memórias de um sargento de milícias” nas
páginas do correio mercantil, com estilo jornalístico, incorpora a linguagem
das ruas, fugindo da tendência romântica da época de retratar os ambientes
aristocráticos. Incorporou o formato de
folhetim, popularizado em jornais da capital do império, aportado por aqui como um dos itens da última moda em Paris. O
romance urbano “A Moreninha” de Joaquim Manuel de Macedo é considerado o
exemplo de folhetim mais popular da história do Brasil, tendo sido sucesso de
vendas numa época em que a maioria da população do país ainda era analfabeta. O
clima de suspense em que o estilo folhetinesco apostava é característica utilizada
ainda atualmente em novelas. Outros escritores brasileiros como Lima Barreto,
Machado de Assis, e o cearense José de Alencar tiveram obras suas publicadas em
folhetins para depois serem editadas em livros.
O crescimento da imprensa
fortalezense, no século XIX, acompanhou o processo de desenvolvimento do
jornalismo brasileiro tanto no aspecto cronológico, quanto nas estruturas de
organização e sustentação. A divulgação de matéria literária constituiu-se de uma
tradição junto à imprensa cearense, especialmente nos jornais diários que,
desde cedo, dedicaram algum espaço em suas páginas para apresentar trechos de
obras literárias, por meio da seção "Folhetim". Em 1816, possivelmente
já circulavam as “folhas” ou “folhetos”, dos quais hoje quase não há registros.
Esta seção, no entanto, destinava-se, essencialmente, a divulgar os escritos de
autores estrangeiros ou de renomados escritores brasileiros; ou seja, os
"clássicos" da literatura. Foi somente a partir do final da década de
setenta que passou a desenvolver-se um jornalismo essencialmente vinculado à
divulgação literária. Começaram a surgir agremiações, com o intuito de promover
a fermentação de ideias, a produção artística e a formação de um público
leitor. O estudioso Leonardo Mota datou 37 sociedades intelectuais que surgiram
entre os anos de 1870 e 1900 no Ceará. Em 1892, a capital cearense foi sacudida
por bulhenta novidade literária por meio das reuniões de um grupo de rapazes
que se encontravam nas mesas do Café Java, um quiosque que ficava no centro de
Fortaleza, para falar de literatura, nasceria então a famosa Padaria
Espiritual. Além de colaborar para a consolidação das Letras no Ceará, esse
movimento permitiu uma maior popularização da incipiente literatura local e
regional. O jornal “O pão” serviu como instrumento de intervenção destes na
realidade social cearense com a intenção de modificá-la. Através de suas publicações
os padeiros sentiram-se capazes de criticar; apontar direções e; em muitos
casos; modificar a realidade social em que viviam.
Mais à
frente, sem mais delongas, não
poderia esquecer-me da época dos grandes ensaios, do jornalismo boêmio
de mesa
de bar; da observação dos arquétipos sociais; do amor pela rua descrito
por
João do Rio; das crônicas de Nelson Rodrigues, Rubem Braga, Carlos
Heitor Cony
e tantos outros Jornalistas que beberam desta fonte inesgotáve, em que
fluem ficções, realidades, gente, arte, histórias, política e
embelezamento. A crônica,
tido por muitos como um gênero genuinamente brasileiro, está ali nas
fronteiras longíquas da literatura, onde os gêneros se esfumaçam. Nessa visão embaçada é que as linhas do Jornalismo Literário é escrito com punho forte.
Thalita Moura Vieira.